Minha primeira reação àquele choro foi procurar algum machucado. Você caiu? Bateu? Mordeu a língua? Não. Fez cocô? Deixa eu ver a fralda. Fome? Sono? Eu perguntava para ela, o que você tem? Por que está chorando? É birra, então. Falo mais alto para ela ficar quieta? Vou tirar seu iogurte, hein? Se fosse antigamente já teriam dado um beliscão nessa menina. Para de chorar e me diz o que está acontecendo, pois com você chorando assim, eu não consigo entender.
Calma. Faz mesmo sentido esperar que uma criança de dois anos vá parar de chorar para me dizer, “estou chorando por causa disso, papai”? Ou será que o choro, nessa idade, provavelmente esteja relacionado à frustração de não saber identificar o que se está sentindo? Melhor respeitar o momento dela. Trago-a para o colo, ela se aninha. Está tudo bem, papai está aqui com você. Ela encosta a cabeça como faz desde quando o incômodo eram as cólicas dos quatro meses. O choro, aos poucos, passa.
Parece que funciona
Fui procurar entender melhor o que estava acontecendo, pois queria saber como lidar com as birras de forma eficiente. Foi assim que me deparei com a ideia de que, muitas vezes, as relações entre pais e filhos estão em um dos extremos do pêndulo: a permissividade, que acaba criando indivíduos sem empatia para perceber os limites do outro; ou a disciplina pela punição, que confunde respeito com medo, ensina que a violência pode resolver problemas e que, no final das contas, tende a esgarçar os vínculos entre crianças e adultos.
Parece inadequado permitir que a criança cresça sem compreender que existem determinados limites para que se possa viver de forma saudável em sociedade. Crianças precisam de estrutura e responsabilidade para poderem se desenvolver. Mas tão pouco me interessa uma educação baseada em medo e que não fortaleça os vínculos de confiança entre pais e filhos ― como conversamos na coluna anterior, estabelecer uma relação na qual a criança sente que pode se expressar livremente é importantíssimo para a sua segurança.
Mas há um caminho do meio, que aposta em ser gentil e firme ao mesmo tempo, utilizando, como principal ferramenta de educação, a empatia, a capacidade de entender a perspectiva de outra pessoa ― mesmo que se trate de uma pessoinha que ainda não é capaz de nomear as emoções que está sentindo. Esse caminho do meio, que procura desviar da permissividade e do autoritarismo, é buscado pela disciplina positiva.
Caminho do meio
A disciplina positiva é uma forma de educar a partir de exemplos positivos, de fortalecer laços de respeito mútuo e de corrigir comportamentos inapropriados sem humilhação ou culpa, concentrando-se em como resolver um problema ou mudar determinado comportamento. Seus principais referencias teóricos são os austríacos Alfred Adler, psicólogo fundador da teoria do desenvolvimento individual, e Rudolf Dreikurs, psiquiatra e educador que adaptou tal teoria para um método de entendimento das causas de comportamentos infantis inapropriados e de estímulo de comportamentos de cooperação, sem punição ou recompensa.
Uma referência mais próxima para o leitor não acadêmico são os livros da escritora Jane Nelsen, que ajudam a entender os fundamentos da disciplina positiva e, principalmente, a entender a sua prática no dia a dia. Pois, para atingir efeitos duradouros, a disciplina positiva precisa ser praticada, não funciona como um passe de mágica, e, com certeza, este será um processo com muitos momentos de dúvida e frustração.
Laços de apego e confiança precisam ser cultivados com cuidado. Aos poucos, aprendemos a usar técnicas de prevenção, distração e substituição para guiar as crianças para longe do perigo. Com alguma dedicação, vamos começando a entender as relações entre estágio de desenvolvimento e comportamentos da criança e aprendemos a resolver problemas juntos, preservando a dignidade de todos os envolvidos.
É um assunto extenso e fascinante, ao qual retornaremos mais algumas vezes aqui neste espaço. Na próxima, vamos discutir algumas ideias e técnicas específicas da disciplina positiva e aproveitarei para dizer como foi experimentá-las em casa.