Como eu contei sobre a morte da minha mãe para o meu filho

Imagem: Arquivo Pessoal

Raul perdeu a única avó que conheceu no fim do ano passado. A minha mãe faleceu no dia 21 de dezembro após tratamento contra uma leucemia crônica que descobriu em 2016.

Para quem não sabe, a leucemia crônica é um tipo de câncer no sangue que não tem cura, apenas tratamento. Ela é assintomática e a maioria dos pacientes descobrem em exames de sangue de rotina, como foi o caso da minha mãe. De 2016 até começo do ano passado ela fez apenas acompanhamento da evolução da doença, porém, no início de 2019 a hematologista optou por encaminhá-la para uma onco hemato e avaliar a possibilidade de começar o tratamento.

Entre idas e vindas de São Paulo na tentativa de que ela participasse de uma pesquisa para fazer o tratamento com remédios via oral ao invés da quimioterapia, decidiram por fim que ela faria trataria convencionalmente. Então em novembro ela fez a primeira de quatro sessões de quimioterapia que dariam mais sobrevida à ela.

Infelizmente a quimioterapia foi forte e matou a sua medula. Em pouco mais de um mês após a primeira sessão, ela faleceu. A medula não reagia e todas as células de defesa do seu corpo caíram causado uma hemorragia nas vias aéreas.

Por ser a única avó que o Raul teve contato, é possível imaginar tamanha conexão e amor que existiam entre eles. Primeiro e único neto que minha mãe, com seus 59 anos, pode curtir. Ela dizia que era o coração dela batendo fora do peito. A cumplicidade entre os dois era de fazer os olhos brilharem e eu fico muito feliz de saber que cada um pode saber como é o amor de avós!

Quando soube que ela tinha partido foi um turbilhão de sentimentos e, por ser filha única, precisei correr atrás de todos os procedimentos, então não tive tempo de conversar com ele. Mas depois que o furacão passou, lembro de ter pego ele no colo e disse que a vovó Maure, como ele a chama até hoje, tinha ido morar no céu com o Papai do Céu. E que sempre que quisesse, poderia olhar lá pra cima para conversar com ela.

Ele, claro, falou que tudo bem, mas não fez ideia do que havia acontecido. Muitas vezes ele chegou a comparar o Papai do Céu com o Papai Noel. Psicólogos dizem que nessa idade (Raul estava com 2 anos e meio) eles não entendem sobre a morte e eu respeito cada ideia que surge na cabeça dele quando o assunto é a minha mãe. Às vezes ele diz que quer voar como passarinho para ver a vovó, outra hora coloca ela no meio da conversa como se fosse aparecer em casa a qualquer momento.

Mas numa noite, após fazer nossa oração, eu perguntei se ele queria pedir algo ao Papai do Céu, achando que faria o pedido de algum brinquedo. Para minha surpresa ele soltou: “Queria pedir para a vovó Maure voltar”. Segurei o nó que veio na garganta por alguns segundos, respirei fundo e disse: “A mamãe também gostaria filho, mas agora ela precisa ficar ao lado do Papai do Céu! Então você pode pedir para ela vir visitar você durante o seu sono, em sonho, pode ser?” e ele topou.

Foi difícil controlar a emoção naquele momento, mas acima de tudo eu agradeci. Sempre tive medo de que ele a esquecesse, mas nessa noite eu tive a prova de que o amor deles é tão forte quanto o meu por ela.

Por isso acredito que tratar a morte da maneira mais tranquila possível é o melhor caminho. Sempre falei a verdade, mas com palavras leves e até um pouco lúdicas, além de aceitar a forma como ele encara essa realidade: às vezes compreendendo o que eu digo, às vezes falando que a vovó vai voltar. E está tudo bem!

Autor Kadija Rodrigues

Editora do Portal Mães de Jundiaí, mãe do Raul

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