A hora da refeição muitas vezes é um momento difícil e estressante para muitos pais. Estes podem enfrentar dificuldades na alimentação de seus filhos por conta da seletividade alimentar, comportamento este que pode estar presente desde a fase pré-escolar até a adolescência.
Crianças neurodivergentes podem apresentar quadros de seletividade alimentar, principalmente as diagnosticadas com transtorno do espectro autista (TEA), por conta da hipersensibilidade sensorial típica que varia de acordo com o grau do diagnóstico e com a experiência de cada criança. Para o neurodivergente, as texturas, os cheiros, as cores e os sabores dos alimentos são bem mais percebidos – sendo a textura a principal questão sensorial que interfere na alimentação dessas crianças.
A ingestão seletiva de alimentos pode levar à insuficiência nutricional – tanto dos macro quanto dos micronutrientes – se os tipos e a variedade de alimentos permanecerem restritos por muito tempo. Isso torna a seletividade alimentar um risco para a saúde da criança e traz um alerta para todos os pais quanto a alimentação de seu filho.
Como saber se meu filho apresenta seletividade alimentar?
É preciso entender os três diferentes tipos de dificuldades alimentares:
- Apetite Limitado: presente numa criança que se sacia facilmente com uma pequena quantidade de alimento no geral.
- Fobia alimentar: está relacionada com alguma experiência traumática causada por ou durante a ingestão de um alimento específico.
- Seletividade alimentar: é a rejeição substancial de alimentos familiares ou não familiares, gerando consumo de uma variedade ou quantidade inadequada de alimentos.
A seletividade alimentar pode se apresentar de várias formas e cada criança tem sua particularidade:
– seleção de uma única forma de preparação (ex.: a criança só aceita alimentos pastosos ou rejeita alimentos sólidos);
– preparações específicas para cada alimento sem limitação de texturas e consistências (ex.: só come a batata se for frita, o frango se for cozido,o ovo se for mexido…);
– marca comercial (só aceita o alimento de uma marca, percebe e rejeita se for de uma marca diferente);
– apego excessivo à maneira como os alimentos são arrumados no prato;
– só come num lugar específico da casa ou em uma posição específica;
– lentidão para comer;
– resistência em experimentar alimentos novos (neofobia alimentar);
– e outras.
Cristiana Guedis, mãe do pequeno Rafael de 7 anos que tem diagnóstico de autismo leve e transtorno de alteração sensorial, relata: “Minha história de luta começou com mais ou menos 2 anos, […] ele não segurava as frutas com as mãos, aceitava apenas papinha que eu batia no liquidificador, algumas texturas já davam ânsia nele, mas nessa época não imaginava que seria algo que eu tinha que me preocupar, ele comia arroz e feijão então eu ficava tranquila.[…] Na época de creche ele só aceitava bolinho Ana Maria até fazer um exame de sangue de rotina e o colesterol dele estar altíssimo! A pediatra pediu para cortar o bolinho Ana Maria e imagina o meu desespero, o meu filho só conseguia comer aquilo. […] Minhas tentativas começaram e passei a fazer bolos caseiros, de chocolate que era o sabor que ele mais gostava, vários bolos foram pro lixo até eu chegar na minha receita de hoje. Hoje eu faço bolo com feijão cozido, de grão de bico, de beterraba, de arroz cozido. Graças a Deus os exames dele estão melhorando e baixando os níveis de colesterol. […] Com 4 anos de vida do Rafael, descobri uma clínica em Jundiaí que fazia tratamento de integração sensorial e fizemos uma avaliação e iniciamos tratamento, mas é um trabalho de formiguinha.”
Percebemos no relato a importância de buscar uma abordagem interdisciplinar para lidar com o caso de seletividade alimentar de crianças neurodivergentes. A equipe de cuidado deve ser composta por médico pediatra, nutricionista, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e psicólogo comportamental. A colaboração entre esses profissionais aumenta a eficácia da intervenção alimentar ao identificar e trabalhar as características da seletividade alimentar e cada criança. Modificar as características sensoriais dos alimentos, fornecer utensílios apropriados para comer, modificar o ambiente e incorporar intervenções comportamentais de apoio são pontos importantes no acompanhamento e melhora da seletividade alimentar e podem ajudar a facilitar a nutrição adequada da criança e reduzir o estresse da família nas refeições.
Referência bibliográfica: Cermak, S. A., Curtin, C., & Bandini, L. G. (2010). Food Selectivity and Sensory Sensitivity in Children with Autism Spectrum Disorders. Journal of the American Dietetic Association, 110(2), 238–246. doi:10.1016/j.jada.2009.10.032
Emanuelli Braga,
Nutricionista clínica, CRN-3 68704/p.