Três informações muito importantes antes de começá-lo:
- Partos a jato existem
- Não, nós não desejávamos um parto domiciliar
- Estamos em uma pandemia, quanto menos tempo exposta em um hospital, melhor. A orientação do nosso ginecologista obstetra era de irmos para o hospital com as contrações de 3 em 3 minutos, afinal, mesmo chegando com as contrações próximas assim, o trabalho de parto ainda costuma durar algumas horas.
Dia 18 de Junho, 23h45. Como de costume, praticamente todos os dias após a janta eu e o Gustavo deitávamos no sofá para assistir um filme ou série, e como de costume também acabávamos acordando de madrugada para ir dormir na cama (quem nunca né), mas nesse dia foi diferente.
Acordei no sofá com uma dor parecida com as cólicas menstruais, mas um pouco mais intensa. Como toda gestante no fim da gestação e esperando o início do trabalho de parto, já tinha instalado o aplicativo para cronometrar as contrações, mas como já estava sentindo os pródomos há alguns dias, esperei para ver se essa cólica mais forte viria novamente, e ela veio. Decidi ir ao banheiro e percebi que o tampão mucoso estava começando a sair, ali sabia que o nascimento do Miguel não estava tão longe de acontecer.
Dia 19 de Junho, 00h. Acordei o Gustavo para mostrar o tampão e contar o que estava sentindo de diferente. Decidimos deitar para ver se as contrações passavam ou se iam engrenar de vez, e começamos a cronometrar, elas seguiam de 5 em 5 minutos durante essa uma hora desde a primeira que me fez acordar até deitarmos. Meu trabalho de parto definitivamente havia começado. Tentar dormir foi em vão, e após umas três contrações, permanecer deitada não estava ajudando. Decidi sentar um pouco na bola de pilates que a Elaine, nossa doula, havia nos emprestado durante a gestação. Permaneci pouco tempo por ali, e fui para o chuveiro, onde as contrações começaram a ficar um pouco mais doloridas e continuamos a contar o tempo entre elas, que permaneciam espaçadas em 5 minutos, as vezes um pouco menos, mas mantendo essa média.
Às 2h30 decidimos ligar pra a Elaine, que já havia se prontificado a vir em casa nos acompanhar até irmos ao hospital, já que não estavam permitindo a entrada da mesma para acompanhar o parto. As contrações seguiam firmes e fortes, ainda com o mesmo espaçamento entre elas. Às 3h Elaine chegou, eu já havia desistido do chuveiro e encontrado no vaso sanitário a melhor posição para enfrentar as contrações, que se tornavam mais intensas e com espaçamentos de 4 minutos e meio, as vezes 4 minutos, mas seguindo essa média.
Quando o relógio marcou 4h, aceitei a sugestão de voltar para a cama e tentar descansar um pouco. Após algumas contrações seguindo o mesmo espaçamento entre elas, vieram umas 4 contrações seguidas com espaçamento mais longo, 6 em 6 minutos. A intensidade seguia, mas o intervalo havia aumentado. Enquanto ainda estava deitada, a Elaine se aproximou para reforçar um dos exercícios de Spinning Baby que já havia nos ensinado para caso estivéssemos no hospital e a dilatação estacionasse.
Vinha uma contração e ela fazia o exercício, passava a contração e a massagem na lombar parecia ser realizada pelas mãos de um anjo, quanto alívio. Permanecemos nessa por umas três contrações, entre exercícios e massagem, e o tempo entre elas se reduziu novamente, chegou a 3 minutos, hora de ir ao hospital. Elaine nos agraciou com palavras lindas de força e emponderamento , já que no hospital seríamos apenas eu, o Gustavo e pessoas que nunca havíamos visto.
Às 5h senti a necessidade de levantar e voltar ao vaso para encarar as contrações enquanto trocaria de roupa para sairmos. Duas contrações sentada ali e minha bolsa estourou, e meu corpo automaticamente fez uma força involuntária, foi diferente de tudo o que eu já havia sentido até então. Resolvi colocar a mão pois senti uma pressão muito forte e estava arredondado, como se fosse a cabeça dele ali perto de sair (e era). Nesse momento eu saí da partolândia, olhei para a Elaine e para o Gustavo e disse “acho que estou sentindo a cabeça dele”.
Ambos desconfiaram (como poderia ser assim tão rápido?) e sugeriram que eu me trocasse para irmos ao hospital, afinal, mesmo que eu já estivesse com o trabalho de parto avançado, ainda daria tempo de chegar sem que o bebê estivesse nascido. Três minutos depois mais uma contração, meu corpo fazendo força sozinho novamente e eu fui confirmar, já sentia a cabeça dele ali, mais 3 minutos, nova contração e eu já sentia com as mãos os cabelos do Miguel.
A Elaine olhou para o Gustavo e disse “liga para o SAMU, ele vai nascer aqui”. Enquanto ele ligava, voltei para a cama, Elaine colocou uma luva, Gustavo buscou todas as toalhas que tínhamos disponíveis e foi o tempo de eu me deitar para a próxima contração vir.
Dia 19 de Junho, às 5h29: E ela veio, então a cabeça dele saiu e já pude ouvir seu choro forte, mais uma contração e ele nasceu, toda a dor cessou, e nosso filho já estava em meus braços. Não dava pra acreditar!
Eu e o Miguel fizemos nosso parto, Elaine nos auxiliou, recebendo-o no mundo, e o Gustavo teve a sanidade de filmar a chegada do nosso pequeno. Foi um momento de êxtase, eu não estava acreditando, nenhum de nós três estava. Em 5 horas de trabalho de parto nosso pequeno chegou, foi lindo, foi intenso, foi totalmente fora do que esperávamos. Gustavo permaneceu ao meu lado durante todo o tempo, ainda que eu preferisse o silêncio e o escuro, saber que ele estava ao meu lado me deu forças para encarar cada contração. Não me esqueço dos olhos marejados ao se aproximar de nós assim que o Miguel nasceu, nitidamente um mix de êxtase, alegria e “não acredito que ele nasceu aqui” eram visíveis em sua expressão, foi um momento único.
O SAMU chegou 3 minutos após o nascimento e fomos encaminhamos para o hospital público mais próximo (moramos em Itupeva) e aí é que todo o parto começou: parir foi a parte mais tranquila. Pedimos transferência para o hospital particular em que iríamos para o nascimento, referência em Jundiaí em partos normais, mas fomos transferidos para o outro conveniado, tido como mais cesarista. Parece ironia pensar que após um parto totalmente natural tínhamos ido parar naquele lugar.
Da pra imaginar o quanto de preconceito sofremos nesse hospital? Local onde os partos normais são excessão, receber uma excessão maior ainda que é um parto domiciliar a jato em que não houve tempo de ir até o hospital: 5 horas de chá de cadeira na recepção esperando um quarto, eu recém parida, um bebê com poucas horas de vida e um pai com as malas, tentando resolver as coisas e dar suporte a mim e ao Miguel. Fomos tratados todo o tempo como irresponsáveis, quando ouviam a palavra “doula” as expressões pioravam ainda mais. Depois de algumas horas ali desistimos de tentar explicar que tudo aconteceu rápido demais e que seguimos unicamente as recomendações do nosso obstetra, que não tínhamos a intenção de ter um parto domiciliar, muito menos sem uma equipe presente.
Logo eu, que estudei todos as formas de violência obstétrica que poderiam ocorrer no trabalho de parto, caí na vulnerabilidade de um exame de toque violento e desnecessário no pós parto. O que me dava forças para encarar aquele lugar pelos dois dias que seguiram era olhar aquele pacotinho em meus braços e pensar: ‘NÓS CONSEGUIMOS! NÓS CONSEGUIMOS, FILHO! Obrigada meu Deus pelo meu esposo, pelo dom da vida do Miguel, por fazer a Sua história na nossa vida!
E apesar de tudo o que passamos no pós, nada foi suficiente para ofuscar a benção que foi o nascimento do Miguel, a rapidez e a fluidez do parto. Alguns dos nossos desejos presentes no plano de parto aconteceram, como o clampeamento tardio do cordão, o contato pele a pele imediato e nossa golden hour (ainda que com um trajeto de ambulância no meio rsrs) e ainda deu para o Gustavo cortar o cordão no meio de tanta agitação na chegada ao hospital.
Agradecimento especial a equipe do SAMU e da ambulância que nos transferiu de hospital, que nos atendeu de forma tão especial e alegre, como eu mesma ouvi, atendendo tantas emergências tristes, serem solicitados para encontrar uma vida que acabou de chegar é algo que os da ânimo. Nos faltam palavras ainda para agradecer a nossa doula Elaine, que nos preparou durante toda a gestação para que conseguíssemos nosso parto natural, que nos ensinou muito com suas palavras e seus conhecimentos, passados de forma tão carinhosa e humana.
Miguel chegou ao mundo onde foi concebido, rodeado de calmaria (parece irônico ao pensar na cena, mas eu senti uma tranquilidade muito grande) e já chegou nos mostrando que não temos o controle de tudo, e de fato não temos mesmo.
19.06.2020 foi o dia mais feliz e mais louco da minha vida!
Pela Mãe de Jundiaí Marina Sato