Como descobri que a licença paternidade é curta demais

Foi uma grande sorte eu ter sido demitido alguns meses antes de minha filha nascer. Isso parece não
fazer sentido? Para mim também pareceria. Mas hoje, olhando em retrospectiva, percebo como foi
positivo eu ter me afastado do trabalho naquele momento – considerando que tínhamos algumas
reservas e o seguro desemprego. Estar em casa por mais tempo do que os meros cinco dias de licença
paternidade permitiu que eu participasse de todo o processo de chegada dela de uma forma que é
negada à grande maioria dos homens.

Minha filha chegou em março de 2016, mesmo mês em que a então presidente Dilma Roussef
sancionou a Lei 13.257, também conhecida como Estatuto da Primeira Infância, que ampliou para 20
dias o período de licença paternidade, porém apenas para trabalhadores de empresas inscritas no
Programa Empresa Cidadã. Cinco ou 20 dias depois de minha filha ter nascido eu mal havia começado
a dominar a arte da troca de fraldas e da assepsia de bumbum, entretanto, se eu estivesse em um
emprego tradicional, muito provavelmente teria de ter deixado todo o processo de criar vínculos com
minha filha recém-nascida para depois do horário comercial.

Eu que nunca havia brincado de boneca e que, para ser sincero, tinha hábitos e horários bastante
desregrados, pude aprender como trocar as roupinhas, dar banho, entender o que ela queria dizer com
cada choro. Construí, com a mãe dela, nossos horários de acordar, comer, dormir. Estive do lado dela a
cada descoberta e a peguei de noite no colo cada vez que ela teve medo ou dor de barriga. Tudo isso
sem precisar me preocupar se, no dia seguinte, eu teria de sair cedo de casa para trabalhar e sem me
distrair do processo de aprender a cuidar de minha filha respondendo mensagens de trabalho no celular.

Mas sei como isso é incomum

Ao longo desse período, sempre estive consciente de que a minha experiência não condizia com a
realidade da grande maioria dos pais brasileiros. Mesmo que a legislação garanta o direito a cinco dias
de folga remunerada, muitos relutam em pedir a licença paternidade aos seus patrões, pressionados por
uma cultura de machismo ainda presente em muitos lugares: cuidar é para mulheres, homens
trabalham. Nada poderia estar mais distante da verdade.

Ao longo de toda a primeira infância, período de zero a seis anos, todo contato com os pais é essencial
para o desenvolvimentos da criança, para estabelecer vínculos e desenvolver o aprendizado. Estando o
pai, além da mãe, presente para cuidar e brincar, a quantidade de estímulos que a criança recebe dobra.
Some a isso as tarefas domésticas que o pai pode realizar enquanto a mãe se dedica a amamentar a
criança. E acrescente, por fim, o modo de relacionamento familiar que vai estar sendo apresentado para
a criança: todos participam, todos são responsáveis e todos são competentes e capazes, mesmo que com
diferenças de habilidades e temperamentos, na construção de um ambiente acolhedor e que ofereça as
melhores oportunidades de desenvolvimento para a criança.

Paternidade que repercute em toda a sociedade

É fundamental que também as empresas entendam que um pai presente é um funcionário mais seguro e
feliz e que, por isso, não deveriam colocar empecilhos quando um novo pai requer seu direito de
acompanhar seu filho recém-nascido em seus primeiros dias. Além do mais, esse pai é um cidadão que
participa ativamente da formação de outro pequeno cidadão que, no futuro, ajudará nossa sociedade a
conviver de forma mais harmoniosa. Pois, no final das contas, é isso o que um pai realmente presente
tem a ensinar aos filhos: convívio em harmonia e com responsabilidade, com cada integrante do grupo
contribuindo de acordo com suas capacidades.

A licença paternidade, embora muito limitada, é um mecanismo que ajuda bastante a promover o
envolvimento dos pais nos primeiros dias de vida das crianças. Ela auxilia a formar vínculos que, o
quanto mais fortes forem, mais provavelmente tornarão esses pais mais presentes também ao longo de
todo o desenvolvimento da criança. Como as tarefas relacionadas ao cuidado ainda são culturalmente
pouco relacionadas aos homens, poderíamos dizer que, comparando grosseiramente, a licença
paternidade teria o papel de um estágio de formação para os homens que estejam aprendendo a dividir
tarefas com suas companheiras em relação ao cuidado com os filhos, mas também em relação ao
cuidado com a casa.

Ao menos é assim que me sinto. Passado o período em que o seguro desemprego me permitiu uma
forma inusitada de licença paternidade, aprendi a estar com minha filha e a cuidar dela. E, ao retornar a
trabalhar, percebi que, até o ponto em que o fator econômico me permita escolher, prefiro trabalhos que
eu possa desenvolver perto dela e que não me distanciem tanto de casa. Por ter aprendido a cuidar, por
ter aprendido o quão importante é a presença de ambos os pais para o desenvolvimento da criança,
aprendi que esse exemplo de equidade entre pais e mães terá seu papel no futuro de nossa sociedade.

Autor Redação Mães de Jundiaí

Redação Mães de Jundiaí

1 thoughts on “Como descobri que a licença paternidade é curta demais

    Jacqueline menezes

    (dezembro 18, 2017 - 5:02 pm)

    Muito oportuno o artigo, que apresenta a importância dos vínculos familiares no desenvolvimento biopsicossocial da criança. Sem dúvida alguma, percebemos que a acolhida afetiva dos pais facilita a estruturação da sua personalidade.

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